Olavo Bilac, que além de poeta notável foi também genial cronista relata uma lenda da Bretanha em que um dia, no fulgor incomparável de sua grandeza, o Senhor Deus dos cristãos viu chegar à barra do seu tribunal supremo uma alma carregada de crimes.
Interrogou-a:
– Você roubou, mentiu. Tu caluniaste, violaste. Saqueastes minhas igrejas, profanaste a terra com tua presença, renegaste meu nome…
A pobre alma, diante do temporal de acusações imensas, mostrava-se resignada e triste.
E o senhor Deus, então, clamou:
– Que alegas tu em tua defesa, ó minha alma perversa?
Então, a alma sussurrou com lágrimas nos olhos:
– Senhor! Eu nunca conheci minha mãe!
E o senhor Deus, comovido e aplacado acolheu em seu seio o pecador…
…………………………………………………………………………………………………………………………..
Mas…. Qual o sentido dessa pequena em tempos de agora? Porque envolve tema ligado à educação?
À luz dos tempos que agora se vive, a palavra mãe deve ser vista de forma abrangente. A mãe a que a lenda se refere não é apenas a mulher que biologicamente concebeu, mas a que acolheu com acalanto e ensinou com carinho. Seria, até mesmo plausível, se pensar que a “mãe” no caso da lenda Bretã, seria a genitora mas poderia ser também as educadoras infantis e que a alma penada a elas se referir, não falasse apenas de quem o alfabetizou e ensinou saberes convencionais, mas de quem lhe abriu o mundo para a verdade das virtudes, a grandeza dos valores, a ciência da alegria, da cooperação, do relacionamento com os outros.
Se por esse ângulo se pensar na lenda, descobrem-se duas verdades.
A primeira é de que mães e professoras podem se identificar quando agem de forma mecânica, quando nutrem ou ensinam porque existe a obrigação de assim se fazer. Nesse caso, existe alimento, mas não existe ternura, existe ensino, mas não a aprendizagem para a vida. Mas, da mesma forma como existem mães e professora pela contingência de um exercício que cumprem como um fardo, existem também mães e professora que acolhem com grandeza e educam com paixão.
É destas últimas que esta crônica procura falar.
Não se defende absolvição de crimes, perdão por vilanias que agride e desrespeita o outro, mas se não se isenta a culpa, compreende-se quem sem ter conhecido uma verdadeira mãe e verdadeira professora, desviou-se do caminho, enveredou-se por trilhas que não poderia percorrer. Bem sabemos que os bebês não matam, não estupram, não roubam e se quando mais velhos assim agem, não o fazem porque uma tola predestinação programou em sua herança biológica essas maldades, mas porque não foram educados com carinho, não aprenderam valores, não ouviram conselhos, não praticaram a amizade verdadeira.
O cérebro infantil chega ao mundo pronto para aprender e exercerá nos desafios dos tempos, tudo quanto na infância acolheu.
Atualizada na pratica destes tempos, analisada no compasso do saber neurológico sobre as sinapses, o final da lenda aceitaria nova versão:
– Senhor! Eu nunca conheci mãe, jamais aprendi com verdadeira professora?
E o senhor Deus, comovido chorou junto ao pecador.